-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

. . .

* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

. . .

Garota da Mouraria

João Monge / Marco Oliveira
Repertório de Hélder Moutinho 

Onde vais de vestidinho 
E de cintura cingida
Deixas no ar, a quem passa
Aquela esperança pequena
Ninguém sabe o teu caminho
Quem te vai casar despida
Mas é tanta a tua graça
Que só isso vale a pena

Os teus olhos, precipícios
Onde eu caio de manhã
Lá longe, o mestre Vinicíus
Caiu pela tua irmã

Maria, Maria da Mouraria
Quem vai levar um dia
O teu peito a navegar;
Maria da Mouraria
Não dás amor a ninguém
És nossa e ninguém te tem
Foste feita para sonhar;
Maria da Mouraria
Tens tanta graça ao passar

Vais da pena dum poeta 
À voz louca de um cantor
Dás a volta ao mundo inteiro 
Nessa beleza sem fim
És um coração com seta
Que não dói nem faz ardor
És um amor sem carteiro 
E eu gosto de ti, assim

O cavador

José Fernandes Badajoz / Duarte Machado
Repertório de Nuno de Aguiar

Mal rompe a madrugada 
Ponho ao ombro a minha enxada 
Vou p'ró campo trabalhar
É assim a minha lida 
Porque gosto dessa vida
Nunca a poderei deixar

Quem no campo labutar 
É que sabe avaliar
O que custa a nossa arte
Quem o trabalho conhece 
Vê que o cavador merece 
Elogio em toda a parte

O pobre trabalhador 
Passa a vida atribulada
Desde manhã ao sol-pôr 
A puxar pela enxada
Sempre, sempre a trabalhar
É assim nosso viver
Se não podemos ganhar
Já não temos de comer

Há quem diga por supor 
Que o pobre trabalhador 
É rude e não sabe nada
Que é uma ideia embrutecida
Pois somente leva a vida 
A puxar pela enchada

Sabemos compreender
Que é bonito saber ler 
E que é bom ser educado
A sorte é que nos ilude

Mas não tem nada ser rude
Para ser homem honrado

Fado sorriso

Carlos Leitão / Custódio Castelo
Repertório de Mara Pedro

O dia amanheceu com a vontade
De cedo te sorrir, o que sonhei
Nás dois à beira-mar, a nossa idade
E um beijo envergonhado que não dei

Se o sol nasceu
Foi p’ra te ver chegar a mim
Então fui eu
Então fui eu
Então fui eu que quis nascer neste jardim
P’ra te abraçar
E te cantar o doce encanto em tua mão
Então fui eu
Então fui eu
Então fui eu a paixão do nosso canto

O tempo foi passando sem partir
A tarde anoiteceu, quase sem querer
E o beijo que nós demos a sorrir
É sonho que amanhã volta a nascer

Rosa de amargura

José Luís Gordo / Armando Machado *fado santa luzia*
Repertório de Francisco Sobral 

Meu amor, não me lamento
Tanto sol e tanto vento
Sonhar-te assim, quem me dera
Ter sorrisos de alegria
Arco-íris de fantasia
Sobre os céus da nossa espera

E nos campos do desejo
Há dois rios que te não vejo 
Há dois mares que não são meus
Há desejos por arder
Tudo por me acontecer 
À espera dum olhar teu

Mas, ao dares-me a tua mão
Dou-te inteiro um coração 
Com a loucura mais pura
Quem ama assim deste jeito
Traz cravado no seu peito 
Uma rosa de ternura

Manual do coração

João Monge / Pedro Silva Martins, Luís José Martins *fado moutinho*
Repertório de Hélder Moutinho 

Maria foi ao baile e viu José
Viu António, viu Tó Zé
Para mim nem um olharzinho
Disse a José que estava meio cansada
António não levou nada
E o Tó Zé dançou sozinho

E foi dando nega atrás de nega
Nem um tango prá sossega
Não dançou nem por momentos
Como é que uma mulher tão bonita
Se revela tão esquisita
Fui tirando apontamentos

Maria ouviu piropos de poetas
De artistas, de profetas
Mas não deu bola a nenhum
Teve convites para jantar no céu
Luz das velas, num ilhéu
E a todos deu jejum

Até havia quem fizesse o pino
Cuspir fogo cantar hino
Em frente à sua janela
Mas nada, nada dava resultado
Nunca abria o cortinado
Ninguém atuou para ela

Eu apontava o que ela não queria
Só para entender Maria
Entender o seu olhar
Escrevia tudo em letra miudinha
Num caderno com capinha
Para aprender a sonhar

Houve um que deu anel de mil quilates
Lenços, brincos, flores de engate
Coisas que ela nunca usou
Talvez ela só queira ser amada
Ser tratada, ser beijada
Como nunca alguém beijou

Qualquer coisa de fado

Tiago Torres da Silva / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Rita Santos 

Respeitando a tradição
Sem ouvir o coração 
Não saímos do lugar
Entre nós e o passado
Há qualquer coisa de fado
Que temos de abandonar

Quando as guitarras 'stão prontas
Pode a alma fazer contas 
À memória mais sofrida
Mas depois quando a voz chora
É inventando o agora 
Que o fado se torna vida

Entre nós e o futuro
Vamos construindo um muro 
Que ninguém sabe transpor
Mas quem viu o outro lado
Sabe que lá mora o fado 
Quando aqui mora o amor

Canta-se o fado na sede
De galgar essa parede  
Que cada vez é mais alta
O fado está sempre além 
Porque quanto mais se tem 
Mais dele sentimos falta

Mentira, verdade

Letra e música de Pedro Osório
Repertório de Camané

Tantas palavras são ditas 
P’ra disfarçar a mentira
Tantas palavras bonitas 
Para encobrir a verdade
Tanta bondade fingida
Tanta mentira doirada
Tanta notícia esquecida 
Tanta verdade calada 

Se dizem que trazemos ao nascer
O destino já marcado... mentira
Se dizem que devemos aprender
A mudar o nosso fado... verdade;
A vida não se pode deitar fora
Passando cada dia 
Como quem faz um recado
Quem pensa 
Que o destino marca a hora
Ou anda ao desengano 
Ou então foi enganado

Eu hei-de ter o meu fado 
Feito p'la minha vontade
Com o futuro agarrado 
Hei-de matar a saudade
Hei-de enganar a mentira 
Hei-de beber a verdade
E não me venham dizer 
Que isto são coisas da idade

Até que volte à luz

Fernando Campos de Castro / Armandinho *fado estoril*
Repertório de Rita Santos

Aqui neste vazio onde tão só me encontro
A vida que me quer tornou-se desespero
Se tudo em mim é frio tristeza e desencontro
De que me serve a vida que não quero

Sempre que vivo um sonho e nesse sonho avanço
A vida corta o passo e tudo em mim recua
Num gelo tão medonho, sem calma nem descanso
Deixando-me cansaço na alma triste e nua

Se nada me seduz, quero voltar um dia
À vida que eu quis ter e há muito me deixou
Até que volte à luz da tua companhia
Para voltar a ser aqulo que não sou

Voz triste

Tina Jofre / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Tina Jofre

Sou uma voz triste cantando
Chorando penas sem fim
E vós que me estais escutando
Não tenhais pena de mim

Fui feliz e vivi bem 
Tive um grande, grande amor
Amada como ninguém 
Razão p’ra chorar de dor

Foram anos de loucura 
De muito amor e carinho
Terminou essa ventura 
A morte ganhou caminho

Separou a união 
Que Deus tinha abençoado
Deu-me porém o condão 
Vencer dor cantando fado

Rivais

Mário Rainho / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de José da Câmara 

Meu inquieto coração
Não é que me apeteça
Mas tinhas muita razão
Em te mudares p’ra cabeça

A cabeça é das ideias 
O coração, dos ideais
Moram paredes meias 
Parece que são rivais

Lembranças a meu jeito 
Feitas de sombras e luz
No peito amores a eito 
Da cabeça negra cruz

Atarefada cabeça 
Para guardares a razão
Leva a alegria e depressa 
Muda-te para o coração

Voz do fado

Fernando Farinha / Casimiro Ramos *fado pinóia*
Repertório de Fernando Farinha 

Há quem afirme que o fado 
Com voz, tem pouca intenção
Quanto a meu ver, o cantar 
Só na voz tem tradução
No fado, ou qualquer canção 
Seus fiéis cultivadores
Só nos mostram ser cantores 
Vibrando num grito d'alma
Dizer é arte de Talma
É domínio dos atores 

Há quem não tenha garganta 
E dê ao fado, expressão
Mas a voz que se levanta
Tem muito mais coração
O hino d'uma nação 
Estando ao coração ligado
Quando p'lo povo é cantado 
É sempre com voz soante
Um hino, p'ra ser vibrante
Nunca pode ser falado 

O mesmo acontece ao fado 
Que nasceu p'ra se cantar
E não p'ra 'star amarrado 
Ao peito que o quer soltar
Cantar é saber vibrar 
Com voz, com alma e ralé
Grito d'esperança e de fé 
Bem arrancado do peito
Fado falado a preceito
Só o cantou Villaret

Jesus de misericórdia

Carlos Alexandre Pinto / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de João Chora 

Neste Ribatejo imenso
Cheio de labor intenso
De virtude e tradição
Parou a faina do dia
Já ninguém tem valentia
É dia da procissão

Parou no mundo a discórdia
E o Jesus de misericórdia 
Na sua beata unção
Vai p'las ruas e vielas
Olha todas as janelas 
Do meio da procissão

Chamusca dos arrozais
Dos vinhedos e trigais 
Do sol, da luz, da paixão
Deixa a campina em descanso
Todo o toiro bravo é manso 
Ao passar a procissão

Na cruz com olhar sereno
Meigo, bom, o nazareno 
Abençoa os pecadores
Jesus da misericórdia
Trazei ao mundo a concórdia
 Rogai por nós pecadores

O lado oculto da noite

Carlos Bessa / José António Sabrosa 
Repertório de Rita Santos 

Meus segredos estão guardados
No lado oculto da lua
Severamente arrancados
Das pedras da minha rua

Lá estão nossos momentos 
De felicidade e tristeza
Mistura de sentimentos 
Na pequenez da grandeza

Já sinto a noite chorando 
Ao sentir como eu estou
Ao ver o tempo passando 
Sobre um amor que findou

Dorme o silêncio na cama 
Aonde eu durmo também
O frio do corpo chama 
Pelo seu nome, ele não vem

Página da história acabada 
Porque amor, já não sou tua
Tua imagem está guardada 
No lado oculto na rua

Letra para um hino

Manuel Alegre / António Chaínho
Repertório de Humberto Sotto Mayor 

É possível falar sem um nó na garganta
É possível amar sem que venham proibir
É possível correr sem que seja a fugir
Se tens vontade de cantar
Não tenhas medo, canta

É possível andar sem olhar para o chão
É possível viver sem que seja de rastos
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
Se te apetecer dizer não
Grita comigo, não

É possível viver de outro modo
É possível transformares em arma a tua mão
É possível o amor, é possível o pão
É possível viver, viver, viver de pé

Não te deixes murchar
Não deixes que te domem
É possível viver sem fingir que se vive
É possível ser homem
É possível ser homem
É possível ser livre
Livre livre, livre

Fado do Montijo

Humberto Fortunato / Joaquim Carla
Repertório de Moniz Trindade 

Duma aldeia portuguesa 
Da gente alegre e sem mágoa
Nasceu a vila princesa 
Das vilas da borda d'água

Cresceu e fez-se mulher 
Essa aldeia ribeirinha
Princesa deixou de ser 
Mas passou a ser rainha

Aldeia galega d'outrora
Das esperas e das touradas
Dos fados e guitarradas
És o Montijo de agora
Vila princesa
O trabalho é seu brasão
E a gente é bem portuguesa
Como manda a tradição

Lá nasceram bons forcados 
Rijos campinos, toureiros
Teve também afamados 
E varonis cavaleiros

Em muitas tardes de glória 
O sol brilhando na praça
Davam mais uma vitória 
E mais nome à sua raça

Palavras encruzilhadas

Mário Rainho / Armando Machado *fado santa luzia*
Repertório de José da Câmara 

Assim que um feixe de luz
Se projeta sobre a cruz
Das ruas por mim cruzadas
A minh’alma se agiganta
E atira-me à garganta
Palavras encruzilhadas

Tomo o lugar do meu fado
De verso em verso enleado 
Enfeito a noite onde moro
Com os poemas que teço
Avé-Marias dum terço 
Que a desfiar me demoro

Fica-me a noite menor
Desbravo esta voz e a dor 
Num canto mais compassado
Chega a estrela da manhã
Vou sonhar porque amanhã 
Regresso de novo ao fado

Uma lágrima por engano

Fabrizio Romano / Mísia
Repertório de Mísia 

Nasceu sem ti a cidade 
Lisboa ficou pequena
Nesta fria claridade 
Deito-me cheia de penas

Amália nossa Senhora 
Luz deste cego caminho
Na tua prece redentora 
Erros meus choro baixinho

Foi por vontade de Deus 
Que de nós foste levada
Num barco negro p’los céus 
Triste sina, conta errada

Vagamundo por ti trago 
O meu coração cigano
Roubam-me as cordas do fado 
Uma lágrima por engano

Alma perdida

Florbela Espanca / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Joaquim Cardoso 

Toda esta noite o rouxinol chorou
Gemeu, rezou, gritou perdidamente
Alma de rouxinol, alma de gente
Tu és, talvez, alguém que se finou

Tu és, talvez, um sonho que passou
Que se fundiu na dor, suavemente
Talvez sejas a alma, alma doente
D'alguém que quis amar e nunca amou

Toda a noite choraste e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós

Contaste tanta coisa à noite calma;
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz

Lírio roxo

António Gedião / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Maria

Viajei por toda a terra
Desde o norte até ao sul
Em toda a parte do mundo
Vi mar verde e céu azul

Vi sempre estrelas serenas 
E as ondas morrendo em espuma
Todo o sol, um sol apenas
E a lua sempre só uma

Em toda a parte vi flores
Romperem do pó do chão
Universais como as dores (do mundo) 
Que em toda a parte se dão

Diferente de quanto existe 
Só a dor que me reparte
Enquanto em mim morro triste 
Nasço alegre em toda a parte

O fado

Letra e musica de Tina Jofre *fado jofre*
Repertório de Tina Jofre

O fado, palavra tão portuguesa
Foi Camões que a inventou
O fado como destino, tristeza
Num tempo que já passou

O fado, arpejado em menor
Em maior ou em corrido
O fado cantado com o negro misturado
Tem verdadeiro sentido

O fado está-nos na alma 
Numa alma especial
O fado é lascivo e acalma 
O fado é fado, é Portugal

O fado, melodia popular
Muito nossa e que às vezes
O fado faz-nos sentir sonhar
Porque somos portugueses

O fado ganhou expressão co’a guitarra
De Coimbra ou de Lisboa
O fado agarra
O amor e a saudade 
Na voz de quem o entoa

Lisboa perto e longe

Manuel Alegre / António Chaínho
Repertório de Humberto Sotto Mayor 

Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios, sentinelas
E fecham-se janelas quando voa
Nas praças de Lisboa, branca e rota
A blusa de seu povo, essa gaivota 

Lisboa tem o sol crucificado
Nas armas que em Lisboa estão voltadas
Contra as mãos desarmadas, povo armado
De vento revoltado, violas astros
Meu povo que ninguém verá de rastos 

Lisboa tem um cravo em cada mão
Tem camisas que abril desabotoa
Mas em maio Lisboa é uma canção
Onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos

Herança fadista

Clemente José Pereira / João do Carmo Noronha *fado pechincha*
Repertório de António Mourão

Eu não sou do tempo antigo
Mas noto que finalmente
Trago este fado comigo
O fado de antigamente

Não vesti com galhardia 
A calça estreita e samarra
Nem ouvi na Mouraria 
O trinar duma guitarra

Também não cantei o fado 
Em serenatas bairristas
Nem nas esperas do gado 
Com fidalgos e fadistas

Minha voz que tanto abraça 
O fado que me encantou
Algum fadista de raça 
Por herança me deixou

Os versos que te faço

Fernando Campos de Castro / Carlos Fonseca *fado deca*
Repertório de Rita Santos 

Os versos que te faço e que te canto
São feitos para ti amor somente
De lágrimas à solta no meu pranto
De te sentir em mim e ter-te ausente

Um grito de saudade que me acalma
Se sei que posso ter-te à minha beira
Pedaços de loucura, fogo e alma
Que acendem no meu corpo uma fogueira

São versos que não sei como guardar
Na alma que tão cheia não sustenta
Que bailam nesta boca sem beijar
Os lábios que a ternura a sós inventa

São gritos que me rasgam cada poro
Os versos que te canto e ninguém sabe
Se rio deste amor, se canto ou choro
Deste amor que no corpo já não cabe

Velas ao vento

Tina Jofre / Sara Jofre
Repertorio de Tina Jofre 

Há muitos anos atrás 
Sonhava e era capaz
De sonhar sem dormir
Imaginava romanos 
Combatendo muçulmanos
E nenhum deles ferir

Até via o Lidador 
Combatendo com amor 
Ganhando assim outra amada
E em momentos de encanto 
Na terra que eu amo tanto
Querer ser Moura encantada

Velas ao vento
Barcos grandes vão subindo o Tejo
Velas ao vento
Vão trazendo e vão levando desejo
Velas ao vento
Vão cruzando as puras águas
Vão levando minhas mágoas 
É também meus pensamentos

Via na torre de menagem 
Dizendo boa viagem
Uma donzela a acenava
Com um lenço branco na mão 
A outra no coração
Uma lágrima deslizava

Pelo seu apaixonado 
Que partia embarcado
E que tão longe a deixava
Eu era feliz assim 
Sonhava só para mim
E a sorrir eu acordava

Abençoada por Deus

José Patrício / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Rita Santos 

Eu quero ser o mar onde navegas
A praia onde anseias por descanso
Meus braços que te esperam, tu te entregas
Dos teus beijos, amor, nunca me canso

Eu quero ser o sol que te bronzeia
Ser a sombra feliz que por ti espera
A brisa que a sorrir te despenteia
Sabendo que és a minha primavera

Eu quero repartir contigo, amor
O que de mim é farto em alegria
Meus braços que ao teu corpo dão calor
Não existe a teu lado noite fria

Eu quero ser a luz do teu olhar
Iluminar com fé os olhos meus
Unidos, de mãos dadas caminhar
Ser nossa testemunha, Santo Deus

Madrinha de nossas horas

Mário Cláudio / Ricardo Borges de Sousa
Repertório de Mísia 

Vendedeira de laranjas
Fadista no outro dia
O mesmo xaile de franjas
Os ombros te cingiria

Momentos de despedida 
Ou de regresso à lareira
Estranha forma de vida 
A vida da cantadeira

Na penumbra do menor 
A noite te abrigaria
Ou no sopro do calor 
Da letra de um Mouraria

Tão pequenina que foras 
Tão imensa te farias
Madrinha de nossas horas 
De confusas nostalgias

E o vento que vem do mar 
Amigo da tua voz
Leva-te a alma a chorar 
No beijo de todos nós

Fado do trabalho

Alves Coelho e Raul Portela / S. Tavares, F. Romano e A. Carneiro
Repertório de Fernando Madeira
Criação de Alfredo Pereira na revista *Rosas de Portugal* 1927
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Ao fogacho da fornalha 
Donde sai o ferro quente 
Que se amolda a fantasia
O ideal de quem trabalha
É ganhar honradamente 
O seu pão de cada dia

E esse pão ganho a suar 
Para o pobre é um tesoiro
Melhor que o melhor manjar 
Servido em baixela d'oiro

Torna que torna bem compassado
Sobre a bigorna do som do malho
Ai reproduz o nosso fado bem fadado
Porque não há fado melhor que o do trabalho

Os que passam toda a vida
Trabalhando tendo em vistas 
A firmeza dos seus braços
Com a sua fronte erguida
São os grandes idealistas 
Deste mundo de madraços

E ao compasso dos martelos 
Ou das serras a serrar
O seu sonho é sempre belo 
Porque é belo trabalhar

Eis o elogio do trabalho como mais alto ideal (por oposição expressa à preguiça), 
bem ao estilo do Estado Novo, segundo o qual 
o operário deveria manter-se disciplinado, satisfeito com o seu destino e com o seu salário, numa perspetiva de pobreza evangélica 
e de renúncia aos atributos das classes ricas: o trabalho, «Melhor que o melhor manjar / Servido em baixela de oiro». 
Tanto mais de estranhar quanto Silva Tavares era alentejano, nascido em Estremoz, terra de endémica contestação 
proletária, mas este extraordinário poeta e autor teatral terminou 
a carreira como funcionário público, desempenhando funções de chefia 
na Emissora Nacional, a estação radiofónica do Estado.

Coração magoado

Tina Jofre / Popular *fado corrido*
Repertório de Tina Jofre 

Meu coração está magoado
Todo entregue ao teu amor
Ó meu coração gelado
Dá-me forças por favor

Eu não suporto a saudade 
Deste amor tão grande e puro
Tão grande é a dor e juro 
Que perdi a felicidade

Em mim já não há vontade 
Está tudo envolto em vazio
Só teu coração está frio 
Teu espírito envolvente
Abraça-me eternamente 
Meu anjo com asas brancas
Sempre tão meigas e francas 
Sempre prontas a ajudar
Meu poeta de encantar 
O vazio é tão profundo
Que o céu, a terra, ou o mundo 
Estão por ti a chorar

Amigos, mais de um milhar 
Partilhando a mesma dor
A falta do teu amor 
Da amizade, da alegria;
Só acabará no dia 
Que p'ra junto de ti, for