-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.260 LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Herança fadista

Clemente José Pereira / João do Carmo Noronha *fado pechincha*
Repertório de António Mourão

Eu não sou do tempo antigo
Mas noto que finalmente
Trago este fado comigo
O fado de antigamente

Não vesti com galhardia 
A calça estreita e samarra
Nem ouvi na Mouraria 
O trinar duma guitarra

Também não cantei o fado 
Em serenatas bairristas
Nem nas esperas do gado 
Com fidalgos e fadistas

Minha voz que tanto abraça 
O fado que me encantou
Algum fadista de raça 
Por herança me deixou

Os versos que te faço

Fernando Campos de Castro / Carlos Fonseca *fado deca*
Repertório de Rita Santos 

Os versos que te faço e que te canto
São feitos para ti amor somente
De lágrimas à solta no meu pranto
De te sentir em mim e ter-te ausente

Um grito de saudade que me acalma
Se sei que posso ter-te à minha beira
Pedaços de loucura, fogo e alma
Que acendem no meu corpo uma fogueira

São versos que não sei como guardar
Na alma que tão cheia não sustenta
Que bailam nesta boca sem beijar
Os lábios que a ternura a sós inventa

São gritos que me rasgam cada poro
Os versos que te canto e ninguém sabe
Se rio deste amor, se canto ou choro
Deste amor que no corpo já não cabe

Velas ao vento

Tina Jofre / Sara Jofre
Repertorio de Tina Jofre 

Há muitos anos atrás 
Sonhava e era capaz
De sonhar sem dormir
Imaginava romanos 
Combatendo muçulmanos
E nenhum deles ferir

Até via o Lidador 
Combatendo com amor 
Ganhando assim outra amada
E em momentos de encanto 
Na terra que eu amo tanto
Querer ser Moura encantada

Velas ao vento
Barcos grandes vão subindo o Tejo
Velas ao vento
Vão trazendo e vão levando desejo
Velas ao vento
Vão cruzando as puras águas
Vão levando minhas mágoas 
É também meus pensamentos

Via na torre de menagem 
Dizendo boa viagem
Uma donzela a acenava
Com um lenço branco na mão 
A outra no coração
Uma lágrima deslizava

Pelo seu apaixonado 
Que partia embarcado
E que tão longe a deixava
Eu era feliz assim 
Sonhava só para mim
E a sorrir eu acordava

Abençoada por Deus

José Patrício / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Rita Santos 

Eu quero ser o mar onde navegas
A praia onde anseias por descanso
Meus braços que te esperam, tu te entregas
Dos teus beijos, amor, nunca me canso

Eu quero ser o sol que te bronzeia
Ser a sombra feliz que por ti espera
A brisa que a sorrir te despenteia
Sabendo que és a minha primavera

Eu quero repartir contigo, amor
O que de mim é farto em alegria
Meus braços que ao teu corpo dão calor
Não existe a teu lado noite fria

Eu quero ser a luz do teu olhar
Iluminar com fé os olhos meus
Unidos, de mãos dadas caminhar
Ser nossa testemunha, Santo Deus

Madrinha de nossas horas

Mário Cláudio / Ricardo Borges de Sousa
Repertório de Mísia 

Vendedeira de laranjas
Fadista no outro dia
O mesmo xaile de franjas
Os ombros te cingiria

Momentos de despedida 
Ou de regresso à lareira
Estranha forma de vida 
A vida da cantadeira

Na penumbra do menor 
A noite te abrigaria
Ou no sopro do calor 
Da letra de um Mouraria

Tão pequenina que foras 
Tão imensa te farias
Madrinha de nossas horas 
De confusas nostalgias

E o vento que vem do mar 
Amigo da tua voz
Leva-te a alma a chorar 
No beijo de todos nós

Fado do trabalho

Alves Coelho e Raul Portela / S. Tavares, F. Romano e A. Carneiro
Repertório de Fernando Madeira
Criação de Alfredo Pereira na revista *Rosas de Portugal* 1927
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Ao fogacho da fornalha 
Donde sai o ferro quente 
Que se amolda a fantasia
O ideal de quem trabalha
É ganhar honradamente 
O seu pão de cada dia

E esse pão ganho a suar 
Para o pobre é um tesoiro
Melhor que o melhor manjar 
Servido em baixela d'oiro

Torna que torna bem compassado
Sobre a bigorna do som do malho
Ai reproduz o nosso fado bem fadado
Porque não há fado melhor que o do trabalho

Os que passam toda a vida
Trabalhando tendo em vistas 
A firmeza dos seus braços
Com a sua fronte erguida
São os grandes idealistas 
Deste mundo de madraços

E ao compasso dos martelos 
Ou das serras a serrar
O seu sonho é sempre belo 
Porque é belo trabalhar

Eis o elogio do trabalho como mais alto ideal (por oposição expressa à preguiça), 
bem ao estilo do Estado Novo, segundo o qual 
o operário deveria manter-se disciplinado, satisfeito com o seu destino e com o seu salário, numa perspetiva de pobreza evangélica 
e de renúncia aos atributos das classes ricas: o trabalho, «Melhor que o melhor manjar / Servido em baixela de oiro». 
Tanto mais de estranhar quanto Silva Tavares era alentejano, nascido em Estremoz, terra de endémica contestação 
proletária, mas este extraordinário poeta e autor teatral terminou 
a carreira como funcionário público, desempenhando funções de chefia 
na Emissora Nacional, a estação radiofónica do Estado.

Coração magoado

Tina Jofre / Popular *fado corrido*
Repertório de Tina Jofre 

Meu coração está magoado
Todo entregue ao teu amor
Ó meu coração gelado
Dá-me forças por favor

Eu não suporto a saudade 
Deste amor tão grande e puro
Tão grande é a dor e juro 
Que perdi a felicidade

Em mim já não há vontade 
Está tudo envolto em vazio
Só teu coração está frio 
Teu espírito envolvente
Abraça-me eternamente 
Meu anjo com asas brancas
Sempre tão meigas e francas 
Sempre prontas a ajudar
Meu poeta de encantar 
O vazio é tão profundo
Que o céu, a terra, ou o mundo 
Estão por ti a chorar

Amigos, mais de um milhar 
Partilhando a mesma dor
A falta do teu amor 
Da amizade, da alegria;
Só acabará no dia 
Que p'ra junto de ti, for

As palavras

Manuel Alegre / António Chaínho
Repertório de Humberto Sotto Mayor 

Palavras tantas vezes perseguidas
Palavras tantas vezes violadas
Que não sabem cantar ajoelhadas
Que não se rendem mesmo se feridas

Palavras por quem eu fui cativo
Na língua de Camões vos querem escravas
Palavras com que canto e onde estou vivo
Mas se tudo nos levam isto nos resta:
Estamos de pé dentro de vós palavras
Nem outra glória há maior do que esta

Palavras tantas vezes proibidas
E no entanto as únicas espadas
Que ferem sempre mesmo se quebradas
Vencedoras ainda que vencidas

O meu amor é o fado

Tina Jofre / Pedro Rodrigues
Repertório de Tina Jofre 

O meu amor é o fado
É meu amigo também
Meu companheiro ideal
Ando a ele abraçada
Amando-o sinto-me bem
Meu herói de Portugal

Companheiro das noites tristes
Companheiro de ilusões 
Meu afago, meu carinho
Ainda bem que tu existes
Alimento de paixões 
Nunca abandonas o ninho

Meu fiel enamorado
Entre os maiores tu figuras 
Serás eterno, tenho fé
Até morrer canto o fado
E morrerei como as árvores 
As árvores morrem de pé

Quadras ao vento

Manuel de Almeida / Popular *fado das horas*
Repertório de Manuel de Almeida

Chego a andar o dia inteiro
Atrás de ti para te ver
Se acaso o tempo é dinheiro
Serei pobre até morrer

Esta profunda tristeza 
Que sinto quando te vais
Não é amor concerteza 
Concerteza é muito mais

Gosto de ti com firmeza 
Embora pouco te veja
Há tanta gente que reza 
E pouco vai à igreja

Tu não me chames senhor 
Eu não sou tão velho assim
Ao pé de ti meu amor 
Não sou senhor nem de mim

Fado alentejano

José Régio / António dos Santos
Repertório de Humberto Sotto Mayor 

Alentejo, ai solidão
Solidão, ai Alentejo
Oceano de ondas de oiro
Tinha um tesoiro perdido
Nos teus ermos escondido
Vim achar o meu tesoiro

Alentejo, ai solidão
Solidão, ai Alentejo
Convento de céu aberto
Nos teus claustros me fiz monge
Perdeu-se-me a terra ao longe
Chegou-se-me o céu mais perto

Alentejo, ai solidão
Solidão, ai Alentejo
Padre-nosso de infelizes
Vim coberto de cadeias
Mas estas com que me enleias 
Deram-me asas e raízes

Aquela Maria

Alice Ogando / Frei Hermano da Câmara
Repertório de Frei Hermano da Câmara 

Maria da Conceição
Vi-te ontem na procissão 
Mas duvidei do que via
Pois quando p'ra ti olhei 
Olhei logo e reparei 
Que toda a gente sorria

Maria da Conceição
Ou tu perdeste a razão 
Ou então foi bruxaria
Um chapéu nessa cabeça
Mas tu queres que eu endoideça 
Oh pobre, pobre Maria

Calça a chinelinha, calça
Põe teu lenço de Alcobaça 
E a saia de flanela
Põe teu xaile de tricana
Pois tu és ribatejana
Pois tu Maria és aquela;
Criada com essa aragem
Que faz a mulher formosa 
E em paisagem bravia
Nunca pode ir bem Maria
Esse chapéu, essa rosa

Maria da Conceição
Sai-me já da procissão 
Olha que Nosso Senhor
Sendo embora de madeira
Ao ver-te dessa maneira 
Pode fugir do andor

Volta depois sem vaidade
Prefere a simplicidade 
Numa vida sem mentira
Sem pose e sem presunção
Maria da Conceição 
De Vila Franca de Xira

Gaiola doirada, não

Carlos Conde / Popular *fado corrido*
Repertório de Raúl Pereira 

Deixai-me rir e brincar
Ser livre, livre e mais nada
Ninguém me obrigue a cantar
Numa gaiola doirada


Se o meu nome anda ligado 
Ao fado triste e boémio
Deixai-me ser irmão gémeo 
Das grandes noites de fado;
Quero viver lado a lado 
Com a malta afadistada
Dar o braço à madrugada 
E ver o sol a raiar
Deixai-me rir e brincar
Ser livre, livre e mais nada


Deixai-me gozar a vida 
No que a vida tem de bom
Sem lhe dar aquele tom 
De má sorte ou fé perdida;
Quero andar de fronte erguida 
Sem dependência marcada
Procurar o fim da estrada 
Sem jamais o encontrar
Ninguém me obrigue a cantar
Numa gaiola doirada

Cantiga de abrigo

Letra e música de Samuel Úria
Repertório de Ana Moura 

Vou esperar contigo 
E se quiser tardar
O tempo foi meu amigo
Prendo os ponteiros 
Que o teu instante é meigo

Vou mudar contigo 
E se puder escapar
Teu corpo é meu abrigo
Prendo-me ao peito 
E em ti me desarraigo

Repreendo a própria vida 
Cada dia em que, iludida
Me extingui a sós comigo
Sem guarida, mas sigo 
Que em teu refúgio há fogo

Se me chamares, meu nome 
Meu nome seja aconchego
Prendo-te aos braços 
E o nó que dou é cego

Guitarras da minha vida

Jorge Rosa / José Marques do Amaral
Repertório de Natércia da Conceição 

Trago guitarras na alma
P'ra acompanhar a tristeza
Ouvindo-as tenho a certeza
Que a minha mágoa se acalma

Trago guitarras no rosto 
P'ra acompanhar o meu pranto
Ouvindo-as, não choro tanto 
Adormeço o meu desgosto

Trago guitarras na voz 
P'ra acompanhar o que canto
Ouvindo-as têm encanto
Fados que Deus me compôs

Em constante guitarrada 
Trago guitarras na vida
Vivo assim mais convencida 
Que não sou tão desgraçada

Isso é com ele e com elas

Carlos Conde / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Hermínia Silva 

Se tens outras, teu proveito
Desconheço-as, nunca as vi
Não tenho tempo nem jeito
Para andar atrás de ti


Em tudo o que seja amor 
Não pode haver preconceito
Se és só meu, tanto melhor 
Se tens outras, teu proveito

P'ra quê armar discussão 
Se o teu amor me sorri
Mesmo que eu saiba quem são 
Desconheço-as, nunca as vi

Sei que existes, sei que existo 
Sei que és tu o meu eleito
E p'ra fazer cenas tristes 
Não tenho tempo nem jeito

Não me importo mesmo nada 
Do que tu fazes p'ra aí
Já nasci muito cansada 
Para andar atrás de ti

Fado pequenino

João José Samouco da Fonseca / António Luís Arrenega
Repertório de João Chora 

Sem ser fadista nem nada
Fiz um fado pequenino
Que chora a vida passada
Nessa Chamusca adorada
De quando eu era menino

Rapazinho de calções 
Quanta vez fugi afoito
P’ra espreitar os dramalhões 
Pelas frestas dos portões
Do velho teatro Foito

E em páscoas que já lá vão 
P’ra fugir à populaça
Ia ver a procissão 
Quinta-feira de paixão
Do antigo largo da praça

E a pena que me fazia 
Ver a saudade cruel
Dos velhos co’a nostalgia 
Da saudosa romaria
Do dia de São Miguel

E o meu fado canta e chora 
Serenatas que se deram
Cantadas p’la noite fora 
Às raparigas que agora
São velhas ou já morreram

Quando tu passas por mim

Vinícius de Moraes / António Maria
Repertório de António Zambujo 

Quando tu passas por mim
Por mim passam saudades cruéis
Passam saudades de um tempo
Em que a vida eu vivia a teus pés

Quando tu passas por mim
Passam coisas que eu quero esquecer
Beijos de amor infiéis
Juras que fazem sofrer

Quando tu passas por mim
Passa o tempo que me leva pra trás
Leva-me a um tempo sem fim
A um amor onde o amor foi demais

Eu que só fiz adorar-te
E de tanto te amar penei mágoas sem fim
Hoje nem olho pra trás
Quando tu passas por mim

Vareira da praia

Fernando Barros / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

Muitos anos se passaram
E no teu rosto deixaram
Marcas de uma geração
Começavas o teu dia
Quando ainda o sol dormia
Com a canastra na mão

Vê-se a vela da catraia
Que entretanto chega à praia 
Com o peixe ainda a saltar
Junto às redes se abeira
A nossa linda peixeira 
Para o peixe arrematar

Partia ainda cedinho
À cabeça com carinho 
A canastra transportava
Pelas ruas e vielas
Iam-se abrindo as janelas 
Quando o peixe apregoava

Já não existe a catraia
Teu olhar fica na praia 
Onde está teu coração
Pobres ruas e vielas
Já não abrem as janelas 
Para ouvir o teu pregão

Graça divina

Letra e música de Caetano Veloso
Repertório de Pedro Moutinho 

Ao seguir aquele vulto
Que percorria o labirinto
Descobri que era eu mesmo, oculto
Dentro das coisas que sinto

E que só sei dizer em prosa e verso
E quando as canto
Eis que pronto surge a rosa do universo
Que desfila ao meu lado
Entre as mãos de um negro anjo alado

Que distribui
Lá do meio da neblina e da fumaça
A graça que vem de cima e vem de graça
Porque é a graça e é divina

Quinta-feira da Ascensão

João José Samouco da Fonseca / António Lourenço Arrenega
Repertório de João Chora 

Se o sol desponta radioso
E promete presunçoso
Uma festa colorida
É maior a vibração
Ouve-se cedo o pregão
Sol e sombra prá corrida

Pela tarde sai a banda 
A fazer a propaganda
Velho uso da função
Seguida p'lo rapazio
Que vive num desvario
Neste dia d'Ascensão

Sai do curro o primeiro toiro 
Capotes de seda e oiro
Alinham-se na barreira
É uma onda de fervor 
Toma breve o espectador
E percorre a praça inteira

Corrida de aficionados 
Cavaleiros inspirados
Prendem ferros cristalinos
Forcados em pegas quentes 
Oferecem peitos valentes
Com coração de meninos

Entre passes de magia 
Naturais, de antologia
E sorrisos de mulher
Há rosas brancas que chovem 
Dentro da alma dum jovem
Que tem ganas de vencer

Porta grande de par em par 
Foguetes a estralejar
Um triunfo que se busca
Com ou sem espera de gado 
Para o bom aficionado
Ascensão é na Chamusca

Duma prisão

António Cálem / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Maria Valejo

Renasce na escuridão
A luz da esperança perdida
Mesmo dentro da prisão
Há sempre um grito de vida

Vejo uma rosa encarnada
Quedar-se lá muito além
Essa rosa é madrugada
Que é nossa e de mais ninguém

Colheremos essa rosa
A rosa do nosso amor
Quando o mundo for só nosso
Ou só nossa aquela flor

Moura

José Eduardo Agualusa / Toty Sa’Med
Repertório de Ana Moura 

Sou moura, o sol me doura a pele
Ao céu do deserto eu chamo meu
No ar aberto ardo, chama e mel
Onde se solta o vento, eu solto o véu

Só desejo o que passa, o breve instante
Asas, navios, a água dos rios
Sou viajante, caminho sempre adiante
Dos frios invernos, dos secos estios

Sou moura, conheço os génios do vento
Sei desatar nós dum mau enredo
Por vezes choro, mas logo invento
Um riso novo para afastar o medo

Só desejo o que não pode ser
Miragens e mitos, e se canto e grito
É p’ra impedir o céu de escurecer
Como largar fogo ao infinito

Guitarra portuguesa

António Mendes / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Luís de Matos 

Oh guitarra portuguesa
Quando o artista te agarra 
Ganhas vida e beleza
Coração bem moldado
Nasceste com o condão 
De fazer chorar o fado

Tu tens vida 
Nas tuas veias de arame
Porque a tua voz sentida
Chora sem ter um derrame
Quando os dedos 
Percorrem a tua escala
Para ti não há segredos
E deixas todos sem fala


Oh guitarra companheira
Daquelas noites de farra 
E do bom fado à maneira
O teu som nos consola
Quando acompanha o tom 
No compasso da viola

Tão certinhos 
Que nos ensina a cantar
Com acordes gemidinhos
Que até parecem chorar
Oh guitarra
Minha amante realista
Sem ti, amiga bizarra
Ninguém seria fadista

Coisas do fado

Tony Carolas / Marco Oliveira
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

Que saudades do passado
Dos tempos que não vivi
Dos poetas do legado
Dos fados que não ouvi

Do fado fora de portas 
Até alta madrugada
Das patuscadas nas hortas 
Com peixe frito e salada

Já pouco resta d’outrora 
Hoje o fado está mudado
Eu canto o fado de agora 
Com saudades do passado

Mas do meu ponto de vista 
No presente ou no passado
É preciso é ser fadista 
Não deixar morrer o fado

Andorinha do céu que ninguém viu

João José Nogueira / Custódio Castelo
Repertório de João Chora 

Mandei recado p'lo vento norte
Mandei saudades p'la madrugada
E ao encontro do destino fui à sorte
E te encontrei em seu luar, amargurada

Em teu regaço, meu amor, chorei meu pranto
E em teus olhos senti paixão e doçura
E de mansinho, o luar sorriu de encanto
E co'a magia, da noite nasceu ternura

O meu desejo escrevo em pergaminho
Se meus sonhos fizerem sentido
Deixo a amargura presa no caminho
E vou em busca d'um amor que anda perdido


Nas ao romper do dia uma rosa floriu
Derramou perfume, colhi amizade
Como andorinha do céu que ninguém viu
Deixou o amor e levou toda a saudade

Canção das descobertas

Letra e música de João Nobre
Repertório de Berta Cardoso 

Há na praia, olhos chorando 
No mar, gente decidida
Lenços brancos acenando
Num adeus de despedida

É o Infante de Sagres
Que os manda partir ligeiros
Que a Senhora dos Milagres
Guie os nossos marinheiros

Velas erguidas
Naus decididas vão para o mar
Saindo a barra
Uma guitarra põe-se a chorar 
São marinheiros
Aventureiros mais uma vez 
Que vão mostrar 
Cmo este mar é português 

Olhando o mar com desdém
Ondas, ventos traiçoeiros
Nada no mundo detém
Nossos bravos marinheiros

Não há outro mais valente
Nem que valha o que ele vale
Pois só ficará contente
Dando o mundo a Portugal 

São marinheiros
Aventureiros mais uma vez
Por esse mar tão português

Ao sul

João Monge / João Gil
Repertório de António Zambujo 

Ao sul, à procura do meu norte
Subo as águas desse rio
Onde a barca dos sentidos nunca partiu

Lá longe inventei o dia azul
E o desejo de partir
Pelo prazer de chegar ao sul

Cada um tem a sina que tem
Os caminhos são sempre de alguém
Ao sul

Ao sul, entre dois braços abertos
Bate um coração maltês
Que se rende, que se dá de vez
Por amor corto os frutos que criei
Corto os ramos que estendi
Pela raiz que abracei ao sul

Calçada de Lisboa

José Madaleno Geraldo / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

São as cordas das guitarras
Que nos prendem como amarras
À história desta Lisboa
Não há pedra da calçada
Que não fosse já cantada
Desde Alfama à Madragoa

Não há parede nem esquina
De Lisboa, desde menina 
Que não tenha ouvido o fado
Na voz sentida e sincera
Desde o tempos da Severa 
Com saudades do passado

Não há estrela nem luar
Que não saiba já cantar 
As letras desta canção
Com o silêncio, que é de ouro
A voz do fado é tesouro 
Guardado no coração

Homens de amanhã

Frutuoso França / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Frutuoso França 

Passava à minha rua, manhã de todos dias
Um lindo garotito, maroto e bem traquina
Passava a assobiar, expandindo alegrias
Mas ia pró trabalho cumprir a sua sina

Tinha então doze anos, ainda por fazer
Mas meteu-se em cabeça, também de namorar
Então todos os dias, p’ra ela lhe aparecer
Passava à minha rua, pondo-se a assobiar

A nomorada era uma rosita a abrir
Mas linda como os anjos de rosto meigo e brando
E eu um dia que os vi, perguntei-lhes a rir
Se não tinham vergonha de estarem namorando

Senhor, eu já trabalho e tenho amarga lida
E cumpro o meu dever perante a minha mãe
Sou novo bem o sei, mas ganho a minha vida
E aprendo ao mesmo tempo a namorar também

Vou terminar dizendo quero ter uma casinha
Onde caiba o amor e a pura lei cristã
Eu fiquei a pensar e lá foi à vidinha
O mais bonito exemplo dos homens de amanhã

Ao Deus dará

Frederico de Brito / Alves Coelho Filho
Repertório de Carlos Ramos 

Quando p'la primeira vez, ouvi
Uma guitarra a rezar por nós
Porque sou um português, sofri
E a timidez ali , prendeu-me a voz

Quem ficou olhando o sol, não vê
Nem distingue o próprio céu do mar
Quem não tem amor e fé, não crê
Pois eu não sei porquê, pus-me a cantar

Tudo o que o fado tem
É dum capricho tal
E quando é visto bem
É conhecido mal
Tem feito coisas tais
Sei lá o que ele fez
Até lhe agrada mais 
Ser português
Feito um boémio o vi
Foi um fidalgo já
E tem andado aí ao Deus dará

Doutra vez, quando escutei sem querer
A guitarra a soluçar d'amor
Eu senti o que não sei dizer
Um misto de prazer, d
e mágoa e dor

Quem já sabe o que é amar alguém
E esse alguém nos esqueceu por fim
Já sofreu o mais cruel desdém
Tem que gemer também, porque é assim

A cruz

Manuel Andrade / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Maria João Quadros


Aquela cruz de pau-santo
Onde um Cristo de marfim
Se contorce em agonia
Faz-me lembrar tanto, tanto
Essa cruz que trago em mim
Essa cruz pesada e fria

De mil rosas coloridas
Era o caminho trilhado 
Que o teu olhar me mostrou
Fizeram-se as rosas feridas
E o caminho desolado 
Num calvário se tornou

O vento levou-me tudo
E a sua suave brisa 
Tornou-se em dorido pranto
Consola-me, quedo e mudo
Esse Cristo que agoniza 
Em sua cruz de pau-santo

Hermínia de Lisboa

César de Oliveira / João Nobre
Repertório de Anita Guerreiro 

Hermínia 
Canta-me um fado como tu sabes 
Um fado como tu sabes 
E não sabe mais ninguém
Ensina-me 
Esse teu gesto de mão amiga
Num jeito de rapariga 
Que só Lisboa é que tem

Castiça... 
Falas à moda que a gente fala
O xaile é traje de gale 
Que traças com fidalguia
Hermínia... 
És como um bairro cheio de raça
És a Senhora da Graça 
Com o manto da Mouraria

Hermínia, tens o teu nome gravado
Hermínia, num livro de ouro do fado
Na era deste cantar português
Até parece que foi a Severa
Que quis voltar outra vez


Hermínia, dizem guitarras saudosas
Hermínia, não deixes mais de cantar
Hermínia, porque o teu nome são rosas
Porque o teu nome são rosas
Que teimam em não murchar


Hermínia... 
Que bem que estilas um fado antigo
Como se afaga um amigo 
Que a gente nunca esqueceu
Teus olhos... 
São uma noite cheia de lua
Senhora dona da rua 
Onde a saudade cresceu

Hermínia... 
Tens a estaleca de uma revista
O teu encanto nocista (?) 
Que faz da gente o que quer
Hermínia... 
Tens a alegria de um fado novo
És a rainha do povo 
Que vem ao Parque Mayer